domingo, janeiro 28, 2007

A isto chama-se criatividade

"Barras da construção civil, veios de transmissão automóvel, amortecedores, canas de bambu, elásticos e látex, chaves de parafusos, pregos, «camarões» e anzóis, câmaras-de-ar, cordel, arame e serapilheira, madeira e zinco, grades de ferro e caixilhos de alumínio e até cabos eléctricos são usados pelos armeiros improvisados de Díli.
Qualquer material e objecto parecem ser bons para construir uma arma ofensiva.
Qualquer local pode ser também conveniente: a casa, a horta, a oficina e até o forno do pão.
A observação directa de confrontos de rua, as buscas e apreensões em bairros afectados pelos incidentes e as autópsias das vítimas revelam a utilização de um arsenal de rua versátil e muito eficaz.
Um polícia timorense foi morto há uma semana, em Díli, com «golpes de machado e barras metálicas» quando ia de moto e outro elemento da Polícia Nacional morreu no dia seguinte com «catanadas e facas».
Um jovem timorense foi «baleado pelas costas» no heliporto da capital na noite de 22 de Janeiro.
No dia seguinte, outro jovem morreu no hospital depois de ser «apedrejado na cabeça», ainda segundo a descrição feita pela Polícia das Nações Unidas (UNPOL) em Timor-Leste.
Os confrontos entre grupos de artes marciais provocaram cinco mortos confirmados em Díli desde o dia 15 de Janeiro.
As designações convencionais de arma de fogo e arma branca dizem pouco do tipo de armamento que os bandos rivais usam nas suas batalhas e ataques.
Uma auscultação a agentes policiais no terreno confirma o potencial bélico dos materiais mais baratos e banais.
Um bom exemplo é uma arma que combina o funcionamento da besta medieval e da espingarda de pesca submarina, apreendida na semana passada durante uma operação da UNPOL.
A peça principal desta arma, com a forma de espingarda, é esculpida em madeira.
Um dardo com cerca de um metro de comprimento e ponta feita a partir de uma chave de fendas é disparado através de um sulco na parte superior.
O dardo é propulsionado pela tensão de vários elásticos que o atirador puxa para si e dispara através de um gatilho feito apenas com dois pregos dobrados.
Na saída do sulco, um pequeno tubo de plástico (de instalação eléctrica ) assegura maior precisão no disparo.
O dardo consegue fazer um furo no tronco de um coqueiro a vários metros de distância.
A reconversão e actualização de armaria medieval é também patente num machado feito de um tubo metálico semelhante aos usados nos andaimes da construção civil.
Duas correntes grossas agarradas a um cabo de madeira resultam numa matraca bem equilibrada.
Uma moca feita de bambu e pregos afiados, cada um com cerca de dez centímetros, é outro exemplo da reutilização de armas que há muito caíram em desuso.
A arma de arremesso mais comum é a funda, com adaptações e variações.
Fundas para dardos metálicos (com ponta de chaves de fendas agarrada a um penacho feito de saco de arroz desfiado, para dar estabilidade no ar) têm sido encontradas em vários sítios de confrontos.
Há cimitarras - espadas de lâmina ondulada usadas no Sudeste Asiático - fabricadas a partir de caixilhos de janela batidos à mão.
Ferros de construção com a ponta batida em entalhe de arpão, de forma a penetrar melhor no corpo da vítima e a rasgar a carne quando puxada, são também de uso frequente nas batalhas de rua.
Em muitos casos, as lâminas metálicas têm dois declives bem afiados.
Algum cuidado decorativo parece rodear o fabrico das bainhas de espadas, catanas e facas.
Também neste caso qualquer material é bom, vendo-se, por exemplo, bainhas feitas de fita adesiva preta.
De um único cabo eléctrico entrançado (punho e cacete) faz-se uma arma eficaz no combate corpo a corpo.
A capacidade de improvisação e invenção dos jovens de Díli surpreende menos se relacionada com a luta de guerrilha da resistência timorense nas montanhas. "
Diário Digital / Lus

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